Ontem estava jantando, sentada na praça de
alimentação de um shopping e me peguei observando um casal de idosos que estava
por lá. A atenção me foi tomada pela forma com que se tratavam, a delicadeza e
afeto que demonstravam um ao outro, mas logo foi substituída pela
longa e espessa cabeleira da mulher. Um cabelo longo, estilo pin-ups, só que ao invés
de pretos como piche, eram cinzas platinados. Admirei a cena e a coragem.
Coragem porque cabelos grisalhos sempre foram sinônimo de elegância masculina,
jamais permitido para mulheres e hoje em dia bem mais aceito, porque também
pode ser sinônimo de elegância. Claro que requer tantos cuidados como cabelos
tratados quimicamente.
Assunto que
me assombra há algum tempo, ando tingindo meus cabelos, pois fios indesejáveis
nascem num lugar específico bem à mostra e me incomodam... quem sabe um dia eu
aprenda a conviver com eles naturais, mas só daqui a uns 30 anos!!!
Ontem estava jantando, sentada na praça de
alimentação de um shopping e me peguei observando um casal de idosos que estava
por lá. A atenção me foi tomada pela forma com que se tratavam, a delicadeza e
afeto que demonstravam um ao outro, mas logo foi substituída pela
longa e espessa cabeleira da mulher. Um cabelo longo, estilo pin-ups, só que ao invés
de pretos como piche, eram cinzas platinados. Admirei a cena e a coragem.
Coragem porque cabelos grisalhos sempre foram sinônimo de elegância masculina,
jamais permitido para mulheres e hoje em dia bem mais aceito, porque também
pode ser sinônimo de elegância. Claro que requer tantos cuidados como cabelos
tratados quimicamente.
Assunto que
me assombra há algum tempo, ando tingindo meus cabelos, pois fios indesejáveis
nascem num lugar específico bem à mostra e me incomodam... quem sabe um dia eu
aprenda a conviver com eles naturais, mas só daqui a uns 30 anos!!!
A musa de cabelos brancos
Minha primeira impressão foi que ela
se parecia com Christine Lagarde, a francesa que dirige o Fundo Monetário
Internacional. Mas enquanto a economista famosa do Fundo é alta e magra, a
mulher à minha frente, na sala de espera do ortopedista, era bem brasileira –
pernas grossas, quadris largos – exceto pelos cabelos brancos, na altura do
pescoço. Todo mundo sabe que não há brasileiras de cabelos brancos. Não antes
dos 70 anos, quando a idade se torna indisfarçável. Mas esta mulher parecia ter
menos de 50, era atraente e se movia como alguém muito segura de si. Puxei
conversa e falei dos cabelos brancos. Ela riu, vaidosa, e contou que era uma
novidade. Disse que as amigas criticaram, algumas pessoas estranhavam, mas ela
estava feliz – ela, o marido e os quatro filhos.
Essa história parece de alguma forma
tocante? A mim parece. Desde que eu tenho 20 anos, as mulheres à minha volta
nadam num mar de tintura. Quando uma delas se rebela e reinventa a própria
beleza, na contramão da Wellaton, eu aplaudo. Como jornalista, viajando, me
acostumei a ver na Europa mulheres bonitas de cabelos brancos. Bem vestidas,
bem tratadas, parecendo muito bem amadas, e de cabelos brancos. Aqui, não. De
jeito algum. Como fio branco é anti-higiênico, para esconder meia dúzia deles
as mulheres começam a pintar a cabeça inteira desde os 30 anos, senão aos 20 e
poucos. Assim se vão, muito antes da hora, o brilho, a textura e a cor natural
inimitável dos cabelos. Para quê?
Outro dia fiz esta pergunta a uma
jovem amiga que anunciou que iria virar ruiva. Ela é castanha, dona de um
cabelo muito bonito. Por que a tinta? “Chega uma hora que a mulher sente uma
vontade incontrolável de mudar, de se ver diferente”, ela explicou. “Daí corta
ou pinta os cabelos.” Sendo homem, essas explicações me parecem emocionalmente
incompreensíveis. Não há em mim o desejo irrefreável de mudar de aparência. E
se ele, por acaso, aparecesse, eu rasparia a barba ou faria um corte de cabelo
(moderado) no salão da esquina. A vida psíquica e social dos homens parece mais
simples.
Mas eu não acho que a questão se
resuma a uma diferença de gênero: em Vênus se pinta o cabelo, em Marte (quase)
não. Há também uma questão temporal, que diz respeito à auto-imagem e à idade
das pessoas envolvidas.
Às vezes eu gostaria de pode explicar
para as garotas que “precisam mudar” algumas coisas que a gente só aprende com
o tempo. Uma delas, absolutamente visceral, é que a aparência da juventude é
uma dádiva insubstituível. As pessoas jovens e saudáveis são bonitas e
raramente se dão conta disso. Elas vivem preocupadas com este ou aquele aspecto
de si mesmas – o nariz, o cabelo, a cor, o peso -, mas quem olha de fora nem percebe
os tais “defeitos”. A beleza delas é como um outdoor de 50 metros plantado no
meio do deserto. Chama atenção, atrai os olhos, causa admiração. É uma pena que
os jovens preocupados em sofrer (ou em mudar sua aparência) nem notem isso.
Naquele viral famoso, o Protetor Solar,
os autores dizem assim: daqui a 20 anos você vai olhar uma foto e perceber como
foi bonita, mas então será tarde. Eu digo: por que esperar tanto tempo? Perceba
agora, sofra menos e desfrute mais.
saiba mais
Qual a relação disso tudo com os
cabelos brancos da minha companheira de consultório? É íntima, por duas razões.
A primeira é que as mulheres que
começam a pintar o cabelo desde cedo perdem um pedaço da sua própria
existência. A beleza do cabelo jovem que começa a mudar de cor (aos 20, aos 30
ou aos 40 anos), é substituída, subitamente, pelo artifício da tinta, com
resultados nem sempre felizes. Na pressa de esconder a mudança, as mulheres a
escancaram – e perdem as gradações sutis do tempo, que, nos homens, por mera
convenção, são consideradas atraentes. Neste momento, eu mesmo estou vendo o
meu cabelo ficar acinzentado e acho bonito, provavelmente porque as pessoas ao
meu redor dizem que é bonito. Talvez seja hora das mulheres ouvirem o mesmo.
A outra razão é menos sutil.
Ao ver os cabelos brancos da mulher
do consultório, eu fui tomado instantaneamente pela beleza daquilo. O rosto
maduro, queimado de sol, ficava mais bonito na moldura dos cabelos brancos. O
contraste entre os olhos grandes, o corpo vigoroso e os cabelos cor de prata
era sensacional. Ela ficava mais bonita daquele jeito, tenho certeza, do que
estaria “loira” ou “morena”. Da mesma forma como o George Clooney ou José Maier
parecem mais bonitos nas fotos de hoje, grisalhos, do que pareciam antes.
O tempo frequentemente faz bem aos
homens e às mulheres. Arredonda as formas, suaviza os ângulos, altera as cores
como a luz intensa do meio dia vai dando lugar aos tons da tarde. Uma das
tarefas da gente deveria ser descobrir essa luz e a suas novas possibilidades à
medida que a vida avança. É lindo ter 20 anos, mas não dura. Não adianta
perseguir aquela beleza pelo resto da vida. A musa de cabelos brancos do
consultório percebeu isso. E parece feliz. Ela, o marido e os quatro filhos.
(texto de Ivan Martins que escreve às quartas-feiras na Revista Época)
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